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Friday, June 27, 2008

CARLOS RELVAS e a Casa da Fotografia

Wednesday, June 01, 2005

EDWARD WESTON - Vivendo Fotograficamente


Auto retrato - Califórnia- 1911
EDWARD WESTON
(1886 - 1958)

Cada meio de expressão impõe seus próprios limites ao artista, limites que são inerenes aos utensílios, aos materiais ou mesmo aos processos que utililiza. Nas formas de arte mais antigas esses confins naturais estão tão bem estabelecidos, que se dão por supostos. Escolhemos a música ou a dança, a escultura ou a escrita, porque sentimos que, dentro de seus limites, este será o meio mais adequado para expressar aquilo que desejamos comunicar.

O padrão da fotopintura.

A fotografia, apesar de já ter completado seus 100 anos, ainda precisa conseguir essa familiaridade. Para entender isto, devemos examinar rapidamente o passado dessa nova arte. Os primeiros fotógrafos que desejaram realizar um trabalho criativo não contaram com uma tradição na qual se basear e, rapidamente, começaram a tomá-la emprestada da pintura. A convicção de que a fotografia era uma nova classe da pintura, de que seus praticantes planejavam, por qualquer meio, conseguir efeitos pictóricos com a câmera foi crescendo. Este falso conceito foi responsável por se cometer, em nome da arte, uma enorme quantidade de horrores, desde cenas alegóricas até estonteantes formas desfocadas.
Mas, não só isso foi bastante para atrasar o desenvovimento da fotografia. O verdadeiro dano reside no fato de que esse falso objetivo se estabeleceu com tanta firmeza, que a meta de todo o empenho artístico se converteu na produção de foto-pinturas ao invés de se converter em fotografias. O envolvimento aos meios que se adotou estava tão distante de sua verdadeira natureza que, cada avanço básico obtido nos processos, se convertia em mais um obstáculo para os fotógrafos pictorialistas. Assim, a influência da tradição pictórica retardou o reconhecimento do verdadeiro campo criativo oferecido pela fotografia. Aqueles que deviam ter se sentido mais envolvidos na investigação e na exploração dos novos recursos pictóricos, os ignoram completamente e, sua preocupação para produzir pseudo-pinturas, os afastava, mais e mais radicalmente, dos valores fotográficos.
Tanto foi assim que, quando desejamos reunir as melhores obras do passado, muitas vezes precisamos escolher exemplos entre os trabalhos daqueles que, no início, não se preocupavam com a estética. Será entre as obras dos primeiros retratistas que utilizavam as técnicas do daguerreótipo; entre os documentos da guerra (da Secessão) e da conquista de novas terras; entre os trabalhos de amadores e profissionais, que praticavam a fotografia por si mesma - sem se preocupar se era ou não era arte o que faziam - onde encontramos fotografias que podem ser comparadas com o melhor do trabalho contemporâneo.
Mas em lugar dessa evidência, que agora podemos apreciar com calma e com olhos históricos, o trabalho criativo que se faz atualmente é, com frequência, tão confuso quanto aquele de 80 anos passados. A tradição pictórica persiste por culpa da utilização de artifícios, da manipulação de negativos e de composições regidas por leis pré-estabelecidas. Só quem pensa em levar uma peneira para retirar água do poço é incapaz para ver o resultado ridículo que resulta da escolha de uma câmera para fazer pintura.
Por trás da atitude do foto-pintor, se escondia a idéia fixa de que a fotografia direta era simplesmente o produto de uma máquina e que, portanto, não era arte. Então, foram desenvolvidas técnicas especiais para combater a natureza mecânica de seu processo. Nesse sistema, o negativo era considerado como ponto de partida, uma primeira e tosca impressão que deveria ser melhorada manualmente, até fazer desaparecer os últimos vestígios de sua origem não artística. Como se, cantores reunidos em grupo numeroso pudessem convencer os músicos de que, os sons produzidos com suas máquinas não podem ser considerados como arte, devido à natureza essencialmente mecânica de seus instrumentos. Então o músico - seguindo o exemplo do foto-pintor - gravaria suas orquestrações em discos especiais, nos quais o som poderia ser manipulado, até transformar o produto de um bom instrumento musical numa pobre imitação da voz humana.
Para compreender porque essa atitude é incompatível com a lógica do sistema, precisamos reconhecer dois fatores básicos do processo fotográfico, que o distigue das demais artes gráficas: a natureza do processo de impressão e a natureza da imagem.

A natureza do processo de impressão.

A singularidade da fotografia, com relação às outras artes, se deve à instantaniedade de seu processo de impressão. O escultor, o arquiteto, o compositor, etc., têm a possibilidade de introduzir mudanças, ou agregar alterações, em seus planos originais durante a execução de seus trabalhos. Um compositor pode escrever uma sinfonia num grande espaço de tempo; um pintor pode passar toda uma vida executando um quadro e, no entanto, não considerá-lo acabado. Mas o processo de impressão em fotografia, não pode ser dilatado. Em sua curta duração não pode ser interrompido, alterado ou reconsiderado. Ao destampar sua lente todos os detalhes que se encontram em seu campo de visão são registrados, em muito menos tempo, do que levam os olhos para transmitir ao cérebro uma cópia similar dessa cena.



Natureza da imagem.

Dessa maneira, a imagem possui certas qualidades que a distinguem imediatamente como fotográficas. Em primeiro, a surpreendente precisão da definição, especialmente ao registrar pequenos detalhes; depois, a sequência ininterrupta da sutíl graduação do branco até o negro. Estas duas propriedades constituem as caracteríticas essenciais da fotografia; são próprias da mecânica do processo e não podem ser imitadas por nenhum trabalho manual.
A imagem fotográfica está mais para a natureza de um mosaico, do que para uma pintura ou desenho. Não contém traços, no sentido pictórico, por ser composta por pequeníssimas partículas. A extrema sensibilidade dessas partículas confere uma força especial à imagem e, quando essa força é destruída – pela intromissão de trabalhos manuais, por uma ampliação exagerada, pela utilização de um suporte rugoso, etc. –, se destrói a integridade da fotografia. Finalmente, a imagem se caracteriza pela luminosidade e brilho de seus tons, qualidades que não podem ser conservadas se as cópias são feitas em papel mate. Só uma superfície brilhante pode reproduzir satisfatoriamente a claridade resplandecente da imagem fotográfica.

A impressão da imagem.

Estas duas propriedades determinam o procedimento básico na atitude do fotógrafo. Já que o processo de impressão é instantâneo, e que a natureza da imagem é tal que não pode sobreviver a correções manuais, é óbvio que o positivo acabado deve ter sido criado, em sua totalidade, antes da exposição da película. Enquanto o fotógrafo não aprender a visualizar o resultado final com antecedência e a pre-estabelecer os procedimentos necessários para transportar essa visualização para a obra acabada – se o que se deseja é a fotografia em sua totalidade – estará sujeito a uma série de afortunados e desafortunados acidentes mecânicos.
Sua tarefa mais importante, e ao mesmo tempo mais difícil, não será conhecer sua câmera, revelar ou positivar, mas sim, ver fotograficamente. Isto significa aprender a ver - em termos da capacidade de seus instrumentos e de seus processos - de tal forma que possa traduzir instantaneamente os elementos e valores tonais de uma cena para a fotografia que pretende obter. Os foto-pintores acostumaram-se a afirmar que a fotografia jamais poderia ser uma arte pois, em seu processo, não havia nenhuma maneira de controlar os resultados. Atualmente, o problema de aprender a ver fotograficamente estaria bastante simplificado, se existissem menos possibilidades de controle do que aquelas agora existentes. Variando a posição da câmera, o ângulo ou a distância focal de uma lente, o fotógrafo pode conseguir um número infinito de composições possíveis do mesmo sujeito fixo. Mudando a iluminação ou utilizando filtros coloridos é possível alterar um ou todos os valores do sujeito. Variando o tempo de exposição, o tipo de emulsão ou o método de revelação, o fotógrafo pode mudar o registro dos valores tonais no negativo. E tais valores podem ser posteriormente modificados, durante a positivação, de acordo com a quantidade de luz que irá afetar as diferentes áreas do papel sensível. Assim, dentro dos limites de seu sistema, sem recorrer a qualquer outro método de controle não fotográfico – como, por exemplo, a natureza óptica ou química - o fotógrafo pode ir, desde um registro literal, até onde o desejar. Esta riqueza de facilidades de controle, muitas vezes, atua como limitante para um trabalho criativo. O que ocorre é que, relativamente poucos fotógrafos dominam seus sistemas. Pelo contrário, permitem que seus sistemas os domine e assim, percorrem um caminho sem fim, testando novas objetivas, novos papéis, novos reveladores - sem jamais conservar um item de seu equipamento pelo tempo necessário para conhecer todas as suas possibilidades – acabando por se perder num labirinto de informações técnicas, que é de muito pouca, ou nenhuma utilidade, até não mais saber o que fazer com tudo isso.
Só uma larga experiência permitirá ao fotógrafo subordinar seus conhecimentos técnicos aos objetivos da criação gráfica. Mas tudo isso pode ser conseguido, com muito mais facilidade, quando ele seleciona e mantém o equipamento e os procedimentos mais simples. Aprendendo a ver, limitando ao campo de uma só lente, à escala tonal de uma só película e um só papel, conseguirá muito melhor resultado que, amontoando conhecimentos superficiais sobre instrumentos variados.
Desde o início, o fotógrafo deve aprender a ver seu processo como um todo. Não deve se preocupar com a exposição correta ou com o negativo perfeito, etc. Estas considerações são apenas produto da mitologia publicitária. Deve aprender qual o tipo de negativo apropriado para conseguir um determinado tipo de positivo e também, qual a exposição e a revelação necessária para obter esse negativo. Quando souber como conseguir isso para um tipo de positivo, deverá aprender a variar esse processo para produzir outros tipos de positivos. Mais adiante, vai aprender a traduzir as cores para uma escala monocromática e a julgar a intensidade e qualidade da luz. Com a prática, este tipo de conhecimento passará a ser intuitivo. Finalmente, o fotógrafo saberá como ver uma cena ou um objeto em termos de resultado final, sem necessidade de pensar conscientemente em cada um dos passos necesssários para conseguí-lo.


Tema e composição.

Até agora, estivemos falando da mecânica da visão fotográfica. Agora veremos como é que esta visão se aplica ao tema e à composição. Não se pode fazer uma distinção drástica entre os temas apropriados para a fotografia e os temas apropriados para outras artes gráficas. Mas, sem dúvida, será possível, com base no exame de trabalhos realizados no passado e de nosso conhecimento das propriedades específicas dos sistemas, sugerir determinados procedimentos que poderão satisfazer melhor ao fotógrafo, e indicar outros, que fará bem em evitar.
Nem mesmo utilizando a mais perfeita técnica fotográfica, teria exito o trabalho desses foto-pintores. A fotografia é basicamente um meio honesto para registrar aspectos superficiais de um sujeito. Descobre o ator que se esconde por trás da maquiagem e expoe, tal como realmente é, o inventado, o trivial e o artificial. Mas a inerente honestidade da fotografia, dificilmente poderá ser considerada uma limitação, apenas por resultar de um impedimento para a realização de temas mais próprios da pintura. Por outro lado, oferece ao fotógrafo a possibilidade de olhar em profundidade a natureza das coisas e de presentear o sujeito em termos de sua realidade básica. Permite revelar a essencia do que está em frente à sua objetiva, com tal claridade de percepção, que o espectador pode chegar a encontrar a imagem recriada mais real e compreensível do que o próprio objeto.
É uma lástima, para não dizer mais, que a tremenda capacidade que tem a fotografia para revelar coisas novas, utilizando novos caminhos, seja ignorada pela maioria de seus máximos expoentes mas, assim é. Hoje em dia, a decadente influência da tradição pictórica foi substituída pela chamada psicologia de salão (N.Edit. – o autor se refere aos abundantes concursos e certames fotográficos frequentemente organizados por fotoclubes), que está exercendo a mesma limitação ao progresso da fotografia, sempre que estabelece falsas normas e desanima qualquer original vestígio de visões criativas.
Atualmente o fotógrafo tem necessidade de que sua imagem pareça uma aquarela para ser admitida como arte, porém, deve ficar atado às regras de composição. Este é o remédio contemporâneo. Mas, consultar regras de composição antes de fazer uma fotografia, é um pouco como consultar as leis da gravidade antes de sair para um passeio. Tais regras e leis se deduzem do ato realizado; são o resultado de uma reflexão e do exame a posteriori e, de maneira alguma, são partes do ímpeto criativo. Enquando um tema deve se enquadrar em alguns modelos preconcebidos, não poderá existir a expontaniedade da visão. Seguindo as regras de composição, sómente se obtem uma tediosa repetição de clichês pictorialistas.
Uma boa composição é só a forma de ver - com mais força - um determinado tema. Não se pode ensiná-la, como se ensinam os demais fundamentos criativos. É uma questão de amadurecimento pessoal. Como todos os outros artistas, o fotógrafo pretende que sua imagem final transmita aos outros uma resposta frente a um determindado tema. Para alcançar essa meta, seu maior trunfo reside na retidão do processo que emprega. Porém, essa vantagem só é válida, quando simplifica seu equipamento e sua técnica ao mínimo necessário e, enquanto permanecer liberado de toda a fórmula, dogma artístico, regra ou tabú. Só então será realmente livre para utilizar sua visão fotográfica no descobrimento da essência do mundo em que vive.
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O texto acima encontra-se, com outros igualmente adoráveis, em "Estética Fotográfica – una selección de textos", de Joan Fontcuberta (ed.) – Editorial Gustavo Gili, SA – Barcelona 2003. Foi publicado originariamente como Seeing Photographically, em The Complete Photographer , vol. 9, no 49 (1943) .
Tradução: Bento P. Bueno.
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Monday, May 30, 2005

SEBASTIÃO SALGADO - Maneiras de ver a América Latina

John Mraz
É historiador e pesquisador no Instituto de Ciências Sociais e Humanidades da Universidade Autônoma de Puebla - México.

Tradução:
Geraldo A. Lobato Franco




Sebastião Salgado tem-se tornado legendário no fotojornalismo. Brasileiro de nascimento, de pais da classe média, formou-se em Economia e trabalhou algum tempo no Ministério da Fazenda, deixando o país em 1969 devido à participação na luta estudantil contra a ditadura militar. Foi para Paris onde seguiu cursos doutorais naquela disciplina entre 69 e 71, época que descobriu a fotografia graças a uma câmera que Léila Wanick, sua mulher, havia comprado para os estudos dela em Arquitetura. Empregado na Organização Internacional do Café, baseada em Londres, começou a tirar fotos em numerosas viagens que fez à África, enquanto pesquisava a diversificação de plantações da arrubiácea; afinal, dali em diante cativou-se com a arte: “Quando voltei a Londres, as fotos me deram dez vezes mais prazer que os relatórios econômicos que tinha de escrever.”

A sua final decisão sobre a mudança de carreira foi motivo de luta por um par de anos quando finalmente deixou o emprego para dedicar-se à fotografia exclusivamente. Começando como fotojornalista autônomo para as agências Sigma e Gamma, passou para a Magnum, a mais prestigiosa delas, base de trabalho de grandes nomes como Robert Capa, Henri Cartier-Bresson e Eugene Smith, para mencionar uns poucos. Em 1994 deixou a Magnum e montou a Amazonas Images. À parte a onipresença de seu trabalho fotográfico em revistas e jornais, tem publicado livros de distribuição considerável, montado importantes exposições fotográficas e recebido um reconhecimento na medida de sua significativa produção.

Mesmo tendo coberto as guerras na Angola e no Saara Espanhol, os israelitas aprisionados em Entebe, os incêndios de poços de petróleo no Kuwait e a tentativa de assassinato de Ronald Reagan, conhecem-no melhor pelos seus projetos documentais de longa duração sobre a fome e os trabalhadores migrantes ao redor do mundo. A pesar da enorme rede lançada, a América Latina tem sido a sua pedra de toque; afirma que tem sempre percebido e fotografado o mundo com o seu olhar Latino-americano:

Afinal você fotografa com tudo o que você é. Venho de
um país subdesenvolvido onde os problemas sociais são
muito intensos. E assim torna-se inevitável que as minhas
fotos reflitam isso... creio que exista uma forma latinoamericana
de se ver o mundo. É algo que não se pode
ensinar, porque simplesmente faz parte de você.


Começou a produzir imagens da América Latina em 1977 com o seu primeiro livro focalizando a área, Other Americas (Outras Américas), aparecido simultaneamente em inglês, francês e espanhol, em 1986. A fome que observara no Nordeste brasileiro moveu-o a voltar a fotografar a fome do Sahel africano (onde havia iniciado sua carreira de fotojornalista em 1973 cobrindo a seca da região) e em 1984-85 colaborou no grupo francês Médicos sem fronteiras, na produção de Sahel, o homem em desgraça. De 1986 a 1992 dedicou-se a fotografar o trabalho humano em todo o mundo, um empreendimento que resultou numa enorme exposição e um livro robusto, ambos intitulados Workers (Trabalhadores). Em 1993 voltou as suas câmeras ao compromisso com os refugiados e migrantes, produzindo a enorme exposição Migrations (Migrações) exibida e publicada em 2000. No trabalho em projetos internacionais não negligenciou a América Latina: Salgado tornou-se ativamente absorvido com o trabalho do movimento dos Sem Terra, a revolta dos camponeses brasileiros esbulhados, preocupação que resultou num segundo livro sobre a região: Terra: Struggle of the Landless (Terra: as lutas dos Sem-terra).

Enquanto o trabalho de Salgado tem fornecido muita água aos moinhos dos críticos e intelectuais, raramente selecionaram-no como representação local, quanto a sua transformação no tempo. Refletir sobre como Salgado tem mostrado a sua pátria oferece uma oportunidade única para se examinar as formas pelas quais um criador de imagens de primeira classe dessa região escolhe mostrar o universo do qual surgiu. Sublinharei as suas caracterizações latino-americanas contrastando a representação de Other Americas, Terra e Migrations, pois acredito que uma considerável mudança de tom e ênfase tem ocorrido na trajetória desses trabalhos.

Também irei comparar as formas criadoras de imagens de sua terra natal às de fotógrafos mexicanos seletos como Manuel Álvarez Bravo, Nacho López, Héctor García e os que descrevi como Os Novos Fotojornalistas. Ao justapor essas visões divergentes poder-se-á mostrar o perfil das formas distintas com que a região tem sido e pode ser representada.

Salgado levou sete anos (de 1977 a 1984) vasculhando a América Latina para produzir o que descreveu como sendo “uma exploração meditativa das culturas camponesas e da resistência cultural”. Não obstante as suas boas intenções, a impressão avassaladora que se tem, deixada pelas suas fotos em Other Americas, é que tudo ali seja tristeza, miséria e ruína. Paralela ao foco trágico está a tonalidade dominante de mistério. Tudo aparece contido numa incompreensível e inexplicável delitescência, tornando enigmática a fome, a pobreza e a morte que aparecem no livro. Evidentemente esses cânceres sociais não são o resultado das tremendas diferenças sociais da região, porque não estão documentados nas fotos do livro. Nem são eles produto das megacidades, sujas e superpopuladas, sem os mínimos serviços, pois as favelas, sempre em crescimento, também ali não aparecem. Os trabalhadores urbanos e suas famílias que vivem e trabalham nas metrópoles – e que hoje constituem a maioria da população – estão ausentes em Other Americas de Salgado. Ao assestar as suas lentes às culturas rurais, afirmou que tais problemas eram simplesmente parte da paisagem. Mas, qual seria o significado desse enfoque?

A mais imediata e importante conotação é que esses problemas sejam naturais à América Latina, enraizados em tradicionais formas de ser. Quando Salgado produzia Other Americas, não creio que realmente acreditasse que a miséria da região fosse produto da natureza, mas sim de forças históricas, tais como o capitalismo dependente, o imperialismo e o neo-liberalismo. Sinto-me tentado a opinar que caiu numa cilada comum aos latino-americanos que crêem que devam representar as suas pátrias em termos pitorescos, até grotescos, que com freqüência constituem o discurso aceito e corrente nos países em desenvolvimento para se discutir o Terceiro Mundo – tendência que tem se evidenciado em muitas representações do México, de 1920 ao presente. Em Other Americas, Salgado ofereceu aos seus consumidores na Europa e nos Estados Unidos o que esperavam e queriam, da mesma forma que fizeram os primeiros vendedores de estereótipos: o diretor de cinema mexicano Emílio Fernández El Indio e seu cinegrafista Gabriel Figueroa, cujos filmes – populados por estranhos indiozinhos de pijamas brancos, charros (cowboys) a cavalo sob os seus sombreros de abas largas e camponesas envolvidas em chales exóticos – começaram a impressionar os juizes de filmes de festivais internacionais, há sessenta anos.

Entretanto, em Other Americas, Salgado transportou-os ainda mais adiante ao ligar a alienação às culturas camponesas. A tristeza, a miséria, a morte e o enigma estão onipresentes no conteúdo dessas imagens; a alienação se expressa, em essência, via estruturas formais: luzes e sombras separam os indivíduos entre si, janelas e portas dividem as pessoas ao invés de comunicá-las, olhares furtivos se entrecruzam, mas não se encontram. Por que motivo essa alienação? Comumente associamo-la à industrialização e urbanização, à mecanização da vida, porém Salgado ignorou solenemente a América Latina moderna em seu livro, focalizando a vida rural. Desta forma poderia vender ao mundo desenvolvido a alienação que tão bem conhece com um toque interessante, vestida em roupagem exótica de través a um pano de fundo pitoresco. Os europeus e norte-americanos que compram essas imagens publicadas, teriam pouco interesse em fotos do proletariado industrial latinoamericano, pois conhecem-no muito bem em suas próprias sociedades. Mas a alienação dos indivíduos que incorporam a alteridade (otherness) orientalista, parece claro, é um animal decididamente de outra coloração.

Um pai boliviano abraçado por suas filhas: porque parece tão inamistoso e ressentido ao devolver o olhar pasmo da câmera pelo canto dos olhos? Pessoas que se reúnem numa festa de casamento no Brasil: porque parecem tão sombrias? Um casal de equatorianos que sobraça um cachorrinho peludo branco e um passarinho, enquanto ao fundo nas montanhas se formam nuvens e fazendo-lhes parecer angustiados, cansados e preocupados. Enfim, não posso deixar de surpreender-me se a sua criação de Other Americas foi em parte tentativa de aplicar a estética existencial de The Americans, de Robert Frank à América Latina. O retrato dos Estados Unidos de Frank como uma cultura áspera, triste e alienada mostrou uma percepção desconhecida até a época de sua publicação no fim dos anos 50, considerada por ter redefinido a fotografia norte-americana, num trabalho que foi reimpresso muitas vezes. Não seria invulgar que Salgado buscasse ali a inspiração para construir a aparência de Other Americas.



Comparar a representação de temas particulares neste livro com o tratamento dado por fotógrafos mexicanos pode nos conduzir à distinção de certas diferenças de ênfase. Por exemplo, Salgado tem obsessão pela morte: às vezes resvala no grotesco – um brasileiro, com as pernas abertas, defronte a uma cova onde jaz, fora do caixão, o cadáver de uma mulher; d’outras vezes nota-se a pura angústia – umas mexicanas choram num funeral; com freqüência é enigmático – um índio peruano gesticula incompreensivelmente num cemitério deserto; ainda, pode evidenciar alienação – brasileiros colocados em covas separadas de modo a enfatizar a separação entre eles. Em reflexão a ubiqüidade, a morte tem sido um importante assunto para os artistas mexicanos e expressões culturais de grande riqueza têm surgido ao seu redor, tais como as famosas litografias de José Guadalupe Posada das calaveras (caveiras). Ou Frida Hartz, que capturou a inconsolabilidade da morte na foto da viúva mexicana do campesino, assassinado porque insistia em reclamar os seus direitos. Entretanto, em Other Americas, Salgado não parece reconhecer que a morte esteja em contexto: quando tantos morrem por razões econômicas, faz parte da vida. Mas se a morte não deve ser celebrada, pode-se ao menos rir na sua cara, como fez Nacho Lopez na sua imagem de um homem com um sorriso meramente visível, cuja altura está sendo medida na frente de uma loja de caixões. Outra opção é o comentário cômico que, com justiça, tornou Manuel Álvarez Bravo famoso: em Señal, Teotihuacán, umas garotas mostram-se, como se transfixas, olhando um anúncio enorme pintado na parede de uma funerária. Entre as palavras CAJAS (CAIXÕES) e MORTUÁRIAS, aparece uma mão negra cujo dedo aponta para onde se possa adquirir caixões, em direção ao grande além. Um relógio no pulso nessa mão serve como um lembrete macabro do tempo que ainda existe, exceto pelo fato que seja pequeníssimo, como se um homem estivesse usando um relógio feminino. Uma jovem aparenta recuperar o fôlego, frente à mortalidade explicitada, levando a mão à boca, enquanto outras duas – fantasmagóricas em seus movimentos - parecem já se encaminhar à terra prometida.

A insistência evidenciada em Other Americas ao documentar a futilidade do consolo na América Latina é manifesta numa imagem do dia de finados (Todos os Santos). Tomada num cemitério mexicano, os tons opacos e esfumaçados criam uma imagem insondável em que um cão domina o primeiro plano, enquanto as pessoas estão perdidas por detrás, no fog. Se a presença de um cão num cemitério pode ser chocante às sensibilidades norte-americanas, não há nada de misterioso nesse Todos os Santos, momento em que as famílias se encontram para limpar as tumbas e se reunir com os desaparecidos queridos. Assim o Finados em essência é oposto ao que Salgado representa nessa imagem, o que pode ser claramente entendido ao compará-la às de Álvarez Bravo, Nacho López ou dos Hermanos Mayo, das famílias que se mostram reunidas nos cemitérios nessas datas. O espírito vivo de celebração, o seu contente desafio à mortalidade, é bem representado pelas fotos de Álvarez Bravo, tais como a da jovem sorridente que tem às mãos uma caveira de açúcar cristal com a palavra AMOR escrita à testa.



Em Other Americas a paixão pela morte e o desespero pode ser vista nas crianças brasileiras que brincam no chão com ossinhos de animais. Aqui, enquanto alude à morte, Salgado também enfatiza a pobreza evidente na ausência de brinquedos verdadeiros. O tom psicológico da foto é dado na expressão solene da face das crianças e na sua prostração ao solo. Ao capturar esta cena de cima, Salgado envia a sua mensagem claramente: que resposta a mais, outra que a resignação, seria possível face à tamanha miséria? A foto de Nacho López de crianças pobres brincando com um rato oferece-nos uma resposta. Vemos crianças presas na armadilha de uma das paupérrimas vizinhanças da Cidade do México, também sem brinquedos, reduzidas a encontrá-los onde possível, no caso um rato, o objeto de suas brincadeiras. López denuncia essa situação, mas se recusa a manter-se fixo em quão deprimente ela o seja. A imagem expõe as precárias condições sanitárias da favela e demonstra a pobreza das crianças, mas clarifica também como a criatividade pode florescer em meio à necessidade. Além disso, Lopez realça a iniciativa dos meninos por meio de duas estratégias formais: de um lado, o ângulo baixo escolhido concede poder às crianças no quadro; de outro, as crianças interagem consigo, olhando para a câmera.

A morte de animais em Other Americas é possuída de uma inexplicável aflição. Um jovenzinho mexicano coloca-se próximo a um bode morto, escalpelado e pendurado a uma árvore. Uma corda sustenta-lhe a cabeça – permitindo-lhe devolver uma certa mirada à câmera – uma pata está presa para cima, como se estivesse acenando misteriosamente. Próximo ao espetáculo mórbido um jovem firma a vista fixamente à câmera que olha de cima para baixo da cena. Compare-se esta imagem com a do vendedor de galinhas mortas de Nacho Lopez, que carrega uma verdadeira floresta delas à mão, com a face quase coberta por seus pescoços desplumados. Apesar de se tratar de uma imagem assustadora, não é grotesca nem enigmática: o pollero (vendedor de galinhas) simplesmente está transportando a sua mercadoria para vendê-la. Enfim, a imagem demonstra o toque de humor irônico, transmitido pela documentação de Lopez das justaposições inerentes ao surreal que tão freqüentemente se apresentam no México.

Em Other Americas até a natureza da América Latina aparece angustiada. O cacto, por exemplo, é uma planta que tem servido com freqüência como veículo para as reflexões dos fotógrafos sobre o México e a mexicanidade. Nas imagens de Salgado, um agave isola as crianças mexicanas, que são retratadas dentro de suas pontas afiadas, parecendo ameaçá-las e aprisioná-las, um símbolo à dor cotidiana da vida nestas partes do mundo. Essa não é a conotação que nos oferece Edward Weston àquela planta, em imagens que a retratam em sua forma majestática e exuberante. Nem se encontra entre os significados que Álvarez Bravo determinou para essa forma vegetal nas variadas explorações desse símbolo nacional, talvez com bom humor, quando modernizou o agave, fazendo aparecer o estame central que se ergue ao centro da planta quando em floração, convertido numa antena de televisão. A forma pela qual Salgado apresenta o cacto é destituída da complexidade crítica da foto de Héctor García, “Corona de Espinas”. Nessa imagem de García, um trabalhador numa plantação de henequén (sisal) luta sob a carga pesada que transporta com o auxílio de uma tira à testa, capturando o trabalhador braçal no momento em que uma planta viva, no pano de fundo, forma uma coroa. Com isto García cria uma poderosa metáfora, numa concatenação religiosa e política.

Será que Other Americas pode oferecer alguma fórmula para escapar do discurso pouco entusiasmado criado por suas imagens? Poderia a política ou a religião oferecer uma resposta à opressão ali fotografada? O livro negligencia a luta política e de classes. Apesar de o autor ter explicitamente declarado não ser religioso e não acreditar em deus, outros têm apontado em sua obra imagética um significado religioso. Por exemplo, William Shawcross e Frances Hodgson asseveraram que “Muitas das fotos de Salgado parecem posicionadas na longa tradição cristã da iconografia do sofrimento.” Mesmo assim trata-se de um sofrimento do qual não há salvação porque a religião nada mais é que outra carga para os mexicanos que carregam vigas às costas como se fossem cruzes. Em Other Americas, a religião ou não oferece soluções – algo evidente nos ombros curvos e na expressão interrogativa de um campesino mexicano de frente a uma igreja coberta de névoa – ou apresenta simplesmente outra oportunidade de retratar o enigmático, como na imagem dos equatorianos que cobrem a face com uma bandeira religiosa. As imagens de Other Americas não contêm a aparente fé religiosa dos devotos pobres de Nacho López, ajoelhados em frente à Virgem de Guadalupe, nem a mistura de religiosidade e modernidade vista no trabalho de Guillermo Castrejón, uma freirinha sustentando um aparelho de televisão à cabeça, onde o Papa aparece durante a visita ao México. Obviamente, nada de Other Americas liga a religião aos seus projetos progressistas, tais como a Teologia da Liberação ou a revolução, como no caso de El Salvador.

Dado que Salgado apareça tão genuinamente preocupado com a condição dos despossuídos de poder, talvez mais ainda em sua terra natal, pode-se perguntar: Como é que Other Americas escorrega no erro? Como é que essas boas intenções levam-nos tão longe no espaço? E, mais importante, o que se pode aprender com esses equívocos? A preocupação com as convenções do grotesco e do pitoresco na representação da América Latina com certeza deve ter-lhe exercido algum efeito e a possível influência das imagens de Robert Frank não pode ser descartada. Entretanto, o problema pode estar na sua aderência à tradição das artes plásticas em mostrar as imagens com explicações mínimas, pois se limita em dizer em que país e que ano a foto foi tomada. Enquanto isso é bom para que a imagem se situe por si mesma e seja julgada de acordo com as suas qualidades formais, flui ao contrário do fato que seja naturalmente, talvez essencialmente, particular; isto é, a foto é necessariamente sempre tomada de um indivíduo principal (ou mais) num contexto especial durante uma fração de segundo altamente selecionada.

Em Other Americas a forma de narrativa que o autor escolheu está mais ajustada à construção dos símbolos eternos universais que na elucidação de particularidades daquilo que aparece nas fotografias. Publicadas de um modo que deixa um sentido de vácuo histórico, as imagens perdem suas referências específicas. Pode-se dizer que sejam mais símbolos do que documentos ou, para
levar a questão mais adiante, metáforas. Uma das maneiras de descrever o fotojornalismo é em termos do contínuo entre os pólos de informação e expressão. O fotojornalismo tradicional concerne mais à informação, as suas imagens são documentos predominantemente limitados a apresentar situações particulares. Como tal, carecem freqüentemente de expressividade para transformar situações particulares em declarações que transcendam ao caso individual. Ao contrário, o fotojornalismo artístico, como o de Salgado, tende mais ao pólo expressivo e as suas magens são símbolos que falham com freqüência em apresentar adequadamente a particularidade de cada situação, porque carecem de informação com a qual pode ser construída. Apesar de conscientes dos riscos de tais generalizações por atacado, podemos dizer que em geral as imagens dos fotojornalistas artísticos nos dizem menos acerca do que estão fotografando do que deles mesmos.

Talvez o melhor fotojornalismo funda informação e expressão, documento e símbolo, de tal forma que criem a metáfora: uma imagem que retém a particularidade de seu referente, mas, ao mesmo tempo, garanta uma verdade mais ampla que transcende o contexto imediato. Exemplo revelador é oferecido pela reportagem de Salgado sobre os “garimpeiros”, os mineradores de Serra Pelada, Brasil, que começou imediatamente depois da publicação de Other Americas e que constitui um capítulo de Workers (Trabalhadores). As suas fotos penetrantes capturaram a insanidade desenfreada da procura ansiosa da riqueza imediata em condições de vida e trabalho desumanas: as faces vazadas pelo delírio e a demência, as batalhas entre os mineradores e os soldados enviados para lhes policiar e os cenários em que homens-formiga se alinham em fila, uns com outros, sob o peso bruto de suas cargas. Essa reportagem bem poderia ser uma metonímia às infinitas aberrações de um mundo com tão poucas esperanças. E representa um avanço significativo ao Other Americas, pois aqui não há mistério na excentricidade; ao contrário, ela diretamente se deriva das condições manifestas horrivelmente em que esses pobres infelizes trabalhavam. Não é o caso de Other Americas, cujas imagens contêm tão pouca informação visual porque foram predominantemente tomadas de modo a eliminar os contextos sociais, políticos e econômicos.

As imagens dos garimpeiros são capazes de gerar metáforas com pouco texto porque as situações estão precisamente delimitadas requerendo pouquíssima intervenção verbal. Entretanto, a capacidade de construir uma narrativa de alguma particularidade usualmente é uma emanação das descrições escritas que as acompanham. A falta de texto em Other Americas significa que a conotação das imagens deriva de um relacionamento criado entre elas e o gritante sentido de miséria, desespero e enigma, resultado do fato de que não nos é oferecido nenhum outro modo de interpretação que faça sentido nessa acumulação de significados. A ausência de um contexto histórico articulado deixa o leitor boiando num vácuo anacrônico e algo eterno. Não há movimento na narrativa porque tudo é dado e nenhuma modificação permitida. Isso representa o tipo de coisa que alguns críticos do mundo desenvolvido esperam ver, vindo da América Latina, e para eles o “mistério” e o “estranho” do livro se relaciona a “um realismo mágico na tradição pósmoderna onde pobre e pobreza são vistos misticamente”.

Essa é uma leitura equivocadamente oferecida das suas intenções. Com certeza permanece na superfície e à vista somente o que se espera ver, em oposição ao seu, sempre repetido, argumento sobre por que trabalha em projetos de longa duração. Em várias ocasiões, Salgado tem articulado a necessidade de penetrar naquilo que esteja fotografando:

Quando se trabalha depressa o que se põe nas fotos
é o que você traz consigo – as suas próprias idéias e
conceitos. Quando se gasta mais tempo num projeto
você aprende a entender os seus sujeitos. Chega um
momento em que não é você quem está tirando as
fotos. Algo especial acontece entre o fotógrafo e as
pessoas que está fotografando. E conclui que elas é
que estão-lhe dando as fotos.

A sua maneira de fazer fotojornalismo colide talvez com a mais sacrossanta teoria de fotografia documentária mas, ao mesmo tempo, pode oferecer uma saída à ameaça que a alteração digital parece oferecer à credibilidade do meio fotográfico. Salgado tem discordado do tema consistentemente, quanto ao conceito do momento decisivo, idéia formulada por Henri Cartier-Bresson, que articulou-a assim: “Desejei intensamente agarrar, no confinamento de uma simples foto, toda a essência da situação que estivesse no processo de se desdobrar ante os meus olhos.”

Com toda imparcialidade a Cartier-Bresson, deve-se notar que também reconheceu que o gênero da estória-fotografia pode requerer horas ou dias e que ao se fotografar pessoas o fotógrafo deve sempre tentar substanciar a primeira impressão “vivendo” com elas. Porém, a noção de Cartier-Bresson do momento decisivo tornou-se uma espécie de metáfora-praga seguindo sempre de perto os fotojornalistas, para quem destilar uma simples imagem da essência de um evento depende da precisão da visão para descobri-lo e da capacidade técnica em capturar a fusão do social e do formalmente significante. É Salgado quem afirma: “Tenho tido muitas dificuldades com Cartier-Bresson pois discordo dessa idéia e muito da fotografia documentária.”
E declara que o fotojornalismo “requer algo diferente, a densidade da experiência da integração do fotógrafo ao contexto do que esteja documentando”. Assim, em contraste ao “Momento Decisivo” propõe o que chama de teoria do “Fenômeno Fotográfico”:

Você fotografa aqui, fotografa ali, fala com a gente,
compreende-a e ela lhe compreende. Então,
provavelmente, você chega ao mesmo ponto que
Cartier-Bresson, por dentro da parábola. E isto para
mim é a integração do fotógrafo ao sujeito de sua
fotografia... Uma imagem é a sua integração com a
pessoa fotografada no momento em que trabalham
tão incrivelmente juntos que a sua foto nada mais é
que a relação que você tem com o seu sujeito.

A preocupação com o “momento decisivo” se encontra no centro do problema das imagens alteradas digitalmente. Pedro Meyer, o fotógrafo mexicano pioneiro nesse domínio, clarifica que a sua teoria e prática nesse meio estão baseadas, em certa extensão, em capturar a justaposição de elementos significantemente em discordância dentro de um quadro; por exemplo, os migrantes mexicanos em suas tarefas de trabalho se debruçam ante um campo sob um cartaz-anúncio que oferece “SERVIÇOS LUXUOSOS DE SEU MOTEL”, enquanto um gladiador romano abre a porta de um táxi privado. Com justeza Meyer afirmou: “Eu não tive a intenção de esperar uma semana, dez dias ou o tempo necessário para que alguma coisa acontecesse e que, assim, eu obtivesse o ‘momento decisivo’ esperado por tantos fotógrafos... O momento decisivo específico não seria nunca encontrado se não tivesse sido criado.” Se o momento decisivo é encontrado pelo fotógrafo tradicional num golpe de tempo, posicionamento e de virtuosidade técnica ou se é “criado” pelo artista digital, a estética obtida se baseia na obtenção de um momento evanescente de significância visual. Ao contrário, a idéia de Salgado de que as mediações primárias da estética do documentário são a relação entre o que se pode estabelecer com os sujeitos e o conhecimento adquirido sobre a sua situação, é um fato que oferece uma aproximação operacional fundamentalmente diferenciada.

Essa poderia ser a posição com a qual esteve trabalhando na América Latina, em seu livro de 1997, Terra. Às vezes uma auto-crítica das falhas de Other Americas, usa em Terra extensos subtítulos publicados no fim do livro para contextualizar a imagética dos tristes tropiques ligando-a a forças sócio-econômicas. Igual importância está em que Salgado desenvolveu uma narrativa que documenta não só a opressão, mas também sua resposta dialética: a luta coletiva. A estória de Terra se desdobra, em essência, em duas partes: a primeira metade do livro se compõe de fotos previamente publicadas em Other Americas, mostrando o povo, sua terra, trabalho e privações. As imagens enfatizam como “a dignidade e a pobreza são companheiras inseparáveis da população rural” e aqui se vê pouco do desespero e da miséria misteriosa em que estão enclausurados em Other Americas. As fotos de mãos retorcidas, linhas faciais aprofundadas, e de pessoas trabalhando duro no campo oferecem um pano de fundo para a segunda parte de Terra: as fotos de 1996 da migração urbana e da invasão de propriedades rurais. Esta estrutura oferece um mais amplo sentido histórico aos problemas e prospectos da América Latina.

Ao fotografar o movimento em direção à cidade grande e sua concomitante desumanização, o mesmo Salgado migra para uma área previamente ignorada. Note-se que o faz com muito sucesso, naquilo que seu trabalho se compara favoravelmente ao melhor de tantos outros ótimos profissionais latino-americanos para quem a crise urbana tem sido foco. A fuga para as cidades tem sido a reação típica à monopolização da terra pelos interesses do latifúndio e das plantações de monocultivo que controlam a vida rural brasileira. As suas imagens documentam a realidade difícil e dura das desumanas condições de vida que esperam os migrantes: crianças sem-teto, vivendo em caixas de papelão, apertadas, comendo a sua ração diária de pão; recém-chegados, dormindo próximo às estradas ou em superabarrotados e amedrontadores albergues noturnos; sob as redes elétricas malajambradas em postes improvisados, crianças andam de bicicleta à noitinha em estradas de terra, junto a pilhas de lixo; numa imagem reminiscente às de Jacob Riis, pessoas vivem debaixo de estradas densamente trafegadas, entre paredes de compensado e pilares de suporte; as prisões assemelhadas aos pontos de ônibus são quase indistinguíveis.

Esses testemunhos pungentes à derrocada da migração, tanto dos emigrantes quanto da sociedade, são sublinhados numa seção final, “Migrações às cidades”: um conglomerado de bebês abandonados sob o pano de fundo do perfil da cidade, por detrás, servem como espelhos refletores mútuos e como metáforas do futuro. Só então Salgado deixa patente o seu compromisso com as gerações futuras no retrato de crianças, que oferece uma ponte entre o capítulo final de Terra e o Movimento dos Sem-terra, o MST. Esses retratos são imagens maravilhosas de lindas crianças cujas faces sujas e roupas rasgadas deixam uma impressão duradoura. Neste contexto é bom lembrar que ele tem sido criticado por esteticizar a miséria; contudo, Julian Stallabras observou:

O que significa fazer do sofrimento dessas pessoas
uma forma de arte? Em resposta a essa questão, a
primeira coisa a se perguntar é, que alternativas se
apresentam? É dificilmente concebível que se possa
descrever de modo distante e anestesiado muito da
fotografia contemporânea, adequada a mostrar a
fadiga mental suburbana... Em seu forte plano
formal, as fotos de Salgado revivem as fotos do
modernismo com uma ênfase na geometria e no
contraste visual. A beleza é posta a serviço do
humanismo envelhecido...”

Ensinar às pessoas as novas maneiras de ver talvez seja menos importante neste momento do que a questão do que virá a ser o futuro das crianças do Brasil; eles introduzem esta interrogação articuladamente aos seus olhos inquisitivos. Assim, a resposta real à crítica feita essencialmente por comentadores do mundo desenvolvido pode ser que eles não possam entender completamente as perspectivas que Salgado oferece na causa em questão.

A última seção de Terra enfoca a luta pela terra. Aqui, os olhos tristes dos mais velhos de Other Americas – símbolos misteriosos da morte – foram substituídos por repressão, luta e criação de uma nova vida em escolas comunitárias e residências nos novos assentamentos. Imagens de corpos furados de balas e ensangüentados, caixões empilhados em caminhões e a dor das mães de camponeses mortos, estão ligadas diretamente à polícia militar paga pelos proprietários. Enquanto isso, os camponeses levantam as suas ferramentas e foices em triunfo, pelo que Salgado documenta da tomada de terras pelo MST, que tem aumentado a migração como resposta à falta de terras para cultivo familiar.


Entre essas imagens tomadas desde 1980 e que oferecem um fundo para a primeira parte de Terra, estão outras que foram originalmente publicadas em Other Americas. Esta estratégia abre a questão da contextualização, pois em Terra adquirem, com freqüência, significados diferenciados dos anteriores. Talvez o efeito mais imediato dessa contextualização seja o desaparecimento do enigma; agora entendemos porque essas pessoas parecem tão tristes: não possuem terra onde produzir comida, nem futuro, para si mesmos e suas crianças, outro que a miséria, a doença e a morte. A sua pobreza é tamanha que até a igreja fornece caixões temporários que são fornecidos somente para levar os mortos aos cemitérios, onde são enterrados sem eles, pois são usados de novo. Ao serem dadas informações sobre como subsistem ante essas deprivações, de repente as imagens se esclarecem onde antes era impenetrável: a fotografia do homem sobre a cova rasa de uma ulher morta, sem o caixão, cessa de ter a conotação grotesca e se torna uma crítica social articulada.

Salgado busca retrabalhar as imagens ao publicar diferentes versões de algumas das cenas de Other Americas. Sinaliza explicitamente a intenção dessa reescritura abrindo Terra com a foto de crianças deitadas no chão ao lado de seus brinquedos de ossos de animais e, mais adiante, incluindo outra imagem delas que em atitudes dinâmicas atestam a sua atividade. A cena em que as pessoas se postam ante as covas separadas, que parece significar um símbolo macabro da sua alienação, é também reescrita em Terra, ali substituída por duas outras fotos: numa tomada de pessoas se deslocando em direção ao cemitério num funeral e noutra, uma imagem dessas pessoas momentos depois, enterrando uma criança.

Em geral a análise fotográfica tem se concentrado nas estruturas imanentes das imagens, em relações intra-quadros. Entretanto, as fotografias são textos que possuem uma natureza ambígua e polissêmica. A sua capacidade narrativa é frágil e o seu significado é com freqüência determinado pelo contexto imediato criado na publicação: na síntese de texto, em títulos e em foto-ensaios extensos como os de Other Americas e Terra, no significado acumulado dessas próprias imagens. Em Other Americas a ausência de texto escrito e os seus títulos mínimos criaram uma situação em que o significado imagético foi determinado inteiramente por efeito cumulativo. Dado que muito das imagens de pessoas sombrias, até mesmo angustiadas de dor em suas expressões, sempre estejam na presença de alguma forma da morte e também divididas entre si por alguma estrutura formal, o mistério, a dor e a separação, algumas sensações por elas evocadas. Já em Terra, Salgado ofereceu um contexto histórico para o entendimento da fonte dessa doença e criou uma narrativa que se move da opressão passada ao presente de luta.

Other Americas foi o primeiro passo na tentativa de se reconectar à sua terra nativa, depois do exílio. Para isso, afirmou: “Para ser possível viver na Europa eu tinha que voltar à América Latina”. Como muitos latino-americanos, deixava a sua terra natal de modo a descobri-la. Assim, começou esse reencontro, acomodando uma poderosa imagética ao paradigma grotesco e pitoresco, as únicas formas acreditadas com as quais podia falar de sua cultura no mundo desenvolvido. Se este livro encorajou as expectativas e desejos daquela audiência, Terra representa um esforço para ajudar os brasileiros a obter aquilo de que carecem.

Suas iniciativas recentes de fotografar a América Latina levaram-no às problemáticas mais recentes da emigração e transculturação. Migrations utiliza a mesma estrutura empregada com tanto sucesso em Terra: as imagens são apresentadas num formato artístico, permitindo que se posicionem sós em todo o livro, enquanto textos explicativos são oferecidos num livreto anexo, inserido no final. O fotógrafo devotou mais de um quarto do livro à América Latina. Abrindo-o com um índio brasileiro, tenta usar o último e mais frágil dos vestígios das civilizações pré-colombianas para construir uma nostálgica alusão ao que deva ter sido antes da chegada dos europeus. Aqui ele cria uma disjunção entre imagens idílicas de famílias indígenas reunidas em volta de piscinas naturais na floresta e textos que descrevem a débacle do paraíso: as culturas nativas têm sido empurradas à beira da extinção pelas doenças e invasões, a devastação da floresta as tem levado à erosão, da qual não há retorno. Dessarte, o autor nos presenteia com belíssimas imagens de jovens índias, descrevendo como são abusadas sexualmente pelos mineradores que penetram em seu território; mostra-nos umas criancinhas, debruçadas em suas redes, e diz-nos que agora são feitas de fibras sintéticas, um dos muitos produtos em que os índios dependem dos novos invasores; retrata um chefe guerreiro indígena, mas avisa-nos que os índios estão se pauperizando em sua própria terra.

As seções sobre o abandono das terras do Equador mostram as falhas dos projetos de modernização nas culturas rurais do presente. Algumas dessas imagens são algo pitorescas: pastoreadas por uma indiazinha em roupas típicas, ovelhas pastam num monte, enquanto um extenso vale é visto abaixo. Outras delas podem mesmo ter aparecido em Other Americas: uma criancinha com um olhar severo e roupas esfaceladas trabalha num campo; uma mulher e algumas crianças com expressões temerosas juntam-se fora de casa. Entretanto, o livreto explicativo contextualiza essas imagens, informando-nos que, devido às terras mais férteis no coração do vale terem sido monopolizadas pelos ricos rancheiros de gado, os homens foram forçados a migrar para outras cidades, deixando o trabalho rural para as crianças e mulheres. Segundo Salgado, a transformação da vida doméstica entre os camponeses é um fenômeno recente: “Há vinte anos as responsabilidades familiares eram distribuídas diferentemente: as mulheres cuidavam da casa e os homens trabalhavam no campo.”

Alguns escolheram resistir e emigrar sempre com uma resposta de repressão por parte dos proprietários e dos governos. Salgado detalhou essa dialética nas seções sobre a rebelião neo-zapatista em Chiapas e o MST no Brasil. Ali documenta as pequeníssimas comunidades organizadas pelos índios de Chiapas, em áreas liberadas dos paramilitares empregados pelos ricos e treinados pelo exército mexicano. Duas imagens tomadas nesses campos retratam o surrealismo pósmoderno, não raro associado ao México: largas pranchas de plástico, cartazes de anúncios na cidade do México, foram obtidas pelos que os apóiam e lá enviados para ajudar a montar abrigos em áreas montanhosas de clima frio e úmido. Essas formas de incitação consumista urbana se tornaram paredes dos casebres que os abrigam, em que pinturas maiores que o natural de belas louras se posicionam justapostas ao moreno dos índios com que coabitam. Tanto em Chiapas como no Brasil, Salgado poderosamente representou a vida diária das pessoas que se recusaram a acompanhar as demandas das regras neo-liberais, e as imagens de corpos ensangüentados e de caixões fechados demonstram o preço que estão dispostos a pagar na batalha para lavrar e possuir a terra.

A vasta maioria das pessoas que deixam as terras é empurrada às megacidades pela pobreza rural causada pela monopolização da terra por latifúndios, enormes áreas de ricos e poderosos e com freqüência de proprietários ausentes, apesar da existência de desastres naturais, tais como o furacão Mitch, que podem contribuir intensamente nesta migração. Salgado mostra as favelas que cresceram ao redor da cidade do México e de São Paulo, documentando a desintegração da família que leva ao comportamento auto-destrutivo, tal como o hábito de cheirar cola e fumar crack, pelos jovens que vivem pelas ruas das cidades. Cenas de lixeiras onde os mais destituídos escolhem os seus refugos lado-a-lado com os urubus, e imagens de criancinhas caminhando debaixo de linhas elétricas engatilhadas perigosamente, o que clarifica como é enganosa a promessa da urbanidade ao pobre obrigado a migrar para as cidades.

A transculturação dos migrantes que se mudam para as cidades é levada ainda a outro nível pelo processo de transnacionalização da imigração da América Latina aos Estados Unidos. Salgado reconstrói a “Passagem pelo México” seguida por muitos que deixam Honduras, Nicarágua, Guatemala e El Salvador, à procura de uma nova vida. Em poucas imagens oferece uma ilustração do tema, enfocando principalmente nas experiências daqueles que viajam de trem. As fotos da fronteira México-Estados Unidos se resumem à área de Tijuana e San Ysidro e as imagens são dominadas pela “Versão norte-americana da grande muralha da China”, uma barreira gigantesca de aço erigida neste ponto para frear a passagem ilegal: homens olham através dela em direção à terra prometida, indivíduos dormem à sua sombra esperando pela escuridão, migrantes ilegais, aprisionados pela Patrulha de fronteiras, correm em sua direção para cruzar de volta ao México e fugir da humilhante deportação. Há também fotos de migrantes que foram presos, a mais poderosa delas em que mostra dois deles juntos e agrilhoados, com o oficial norte-americano por detrás.

A sua visão da fronteira é negra e está em contexto com o demais de Migrations, se bem que pareça super-enfatizada, frente às histórias desgraçadas do genocídio de Ruanda, dos Curdos imprensados entre o Iraque e a Turquia, ou a situação desesperadora dos Palestinos, ainda sem pátria, depois de cinqüenta anos. Certamente muitos mexicanos que não desejem sair de seu país são forçados a fazêlo, à falta de oportunidades econômicas. Mesmo assim, a migração é uma opção que pode ser escolhida por aqueles que não desejem se ver presos na armadilha da existência tradicional, que desejem mudar as suas vidas. Os migrantes são com freqüência o que há de mais dinâmico e decisivo numa população, como se nota no otimismo demonstrado dos braceros (trabalhadores braçais) mexicanos em 1940, captado pelos Hermanos Mayo, que deve ao menos ser considerado como parte da história. Muito das imagens da fronteira mexicano-americana publicadas em Migrations apareceu primeiro no foto-ensaio de Salgado em Rolling Stone, entretanto, a última foto desse artigo, de um homem com seu filho, transborda em otimismo e força, apesar das difíceis condições de vida, e não foi incluída no livro.

Salgado é uma nova raça de fotojornalistas, título que assume com orgulho.
Rejeita a noção de que cria arte, asseverando que o seu interesse primário seja a reportagem do momento histórico em que esteja vivendo, mostrando que a base material de seu trabalho está antes de tudo na imprensa. Ele financiou os seus projetos de longa duração publicando diversas previews (prévias) tais como artigos em revistas como The New York Times Magazine, Rolling Stone, El País Semanal, Actuel, Newsweek, The Sunday Times Magazine e Geo. Porém, nenhum outro fotojornalista teve até o momento um tal comando de exibições e espaço que ele tem tido, ou tem-se engajado em projetos e assuntos tão amplos e auto-envolventes. A enorme temática individual de suas exposições – Workers e Migrations – resta sem paralelo na História da Fotografia, para não dizer do Fotojornalismo. Os longos e pesados livros em que essas imagens aparecem são igualados somente aos trabalhos dedicados à carreira inteira de clássicos da fotografia documental e do fotojornalismo, como Robert Capa, Henri Cartier-Bresson, David Seymour, Dorothea Lange, Walker Evans ou Gene Smith. Que um fotógrafo Latino Americano tenha alcançado esse reconhecimento é algo extraordinário. Como foi capaz desse feito?

A trajetória de Sebastião Salgado como fotógrafo documental pode ser caracterizada como a de alguém que primeiro seguiu as formas estabelecidas de técnica e assunto, enquanto ia explorando as possibilidades da forja de sua visão própria; isso talvez possa ser apreciado mais facilmente ao se considerar as transformações das formas com que tem fotografado a sua terra natal. Começou reproduzindo o paradigma pitoresco na representação daquilo que poderia ser considerado como as noções profundas e autênticas da cultura rural latinoamericana, replicando já bem trabalhadas formas do exótico, diferenciadas daquilo que Europa e Estados Unidos esperavam, e estavam acostumados a ver. Entretanto, veio a reconhecer que para poder dizer afinal algo realmente de novo sobre a sua terra teria que avançar além da superfície das imagens. Isso o levou ao trabalho próximo ao Movimento dos Sem Terra, integrando-se ao assunto para que esse relacionamento pudesse se tornar uma expressão estética da luta em que estavam engajados. Mais tarde aplicou o mesmo método a problemas contemporâneos da migração e da transculturação. A validade da fotografia documental e do fotojornalismo deposita-se na inserção do fotógrafo nas realidades que deseja retratar, na teoria do fenômeno fotográfico, na prática do compromisso com os oprimidos e na capacidade de estender os limites do aceitável, temas aos quais oferece um modelo para os fotojornalistas do futuro.

Saturday, May 28, 2005

Entrevista com IMOGEN CUNNINGHAN

por
Thomas Joshua e Paul Hill





IMOGEN CUNNINGHAN
(1883 – 1976)
Esta entrevista com Imogen Cunninghan foi feita em março de 1975. Imogem estava com seus 92 anos de idade e viria a falecer no ano seguinte. Representa uma pequena grande parte do magnífico trabalho pela memória da fotografia realizado por Thomas Joshua Cooper e Paul Hill que, durante quatro anos, entrevistaram “pessoas que ajudaram a moldar a arte da fotografia durante o século XX”.
O trabalho desses autores apresenta entrevistas com conhecidos mestres da fotografia, e suas contribuições a movimentos artísticos, como a Bauhaus, a Photo-Secession, o Grupo f / 64, o Dadaismo, o Surrealismo e o Realismo Social.
“Dialogue with Photography” é uma obra imperdível para todos aqueles que se interessam pela compreensão da fotografia mundial do século XX, . A edição original, em inglês, foi publicada por Farrar, Straus, Giroux, LLC de New York.


- Como iniciou suas atividades com a fotografia ?
- Todos me fazem esta pergunta. Me indagam em festas, em todos os lugares. Nada me fez começar; comecei sózinha. Tinha visto alguma coisa de Gertrude Käsebier ... e isso é tudo o que posso dizer sobre o que me fez começar.

- Pode se lembrar qual foi a primeira fotografia que tomou, revelou e copiou?
- Uma das primeiras de que me lembro, me mostra no campus da Universidade de Washington, na parte baixa dos bosques, completamente despida e deitada sobre o capim.



- Um autoretrato?
- Sim. Bem, não se vê muito porque estou entre o capim. Esta foi uma das primeiras que eu mesma tomei.

- Sua família tinha alguma relação com a fotografia?
- Não, estou certa de que meu pai achava a fotografia “suja”. Ele me dizia: Para quê quer estudar se tudo o que vai conseguir é terminar sendo uma fotógrafa suja. Ele imaginava que era um semi-ofício. Me lembro que a única vez que alguns de nós fomos fotografados foi quando nos alinhamos em frente a um desses fotógrafos ambulantes.

- Seu pai colocou obstáculos em sua dedicação à fotografia?
- Não, em absoluto! Ele me construiu um quarto escuro no depósito de lenha e trabalhou bastante nele, o que não deixou de ser uma boa tarefa. Depois, nunca mais disse uma palavra a respeito. Se soubesse que agora vivo praticamente de uma imagem sua junto aquela lenha, ficaria surpreso !



- Pode se lembrar do primeiro fotógrafo criativo que conheceu?
- Saiba que nunca divido os fotógrafos entre os que são ou não criativos. Só os chamo de fotógrafos. Quem é criativo ? Como se sabe o que é ser criativo ou não ser criativo ? Houve fotógrafos que conheci na Europa, mas não me senti muito interessada por eles. Fui ver um fotógrafo em Dresde, e me pareceu que era um medíocre. Creio que Edward Curtis foi o primeiro a quem realmente eu poderia chamar de bom fotógrafo.

- Você trabalhou para Curtis depois de ter se graduado em fotoquímica. Ou foi em química?
- Eu conseguira minha graduação em química, e havia terminado depois de três anos e meio, quando meu principal coordenador me disse que conseguiria um tempo livre se conseguisse um emprego, e foi o que eu fiz.

- E qual emprego foi esse?
- Durante um semestre trabalhei gratuítamente para Curtis depois, quando a mexicana que fazia as cópias se casou, me deram seu posto. Alí fiquei até que obtive a beca e parti para a Europa.

- Porque escolheu a química na escola superior ?
- Não havia outra coisa para escolher. Não ensinavam pintura. Não ensinavam nada semelhante à fotografia. A química era conveniente porque se tinha que preparar as próprias fórmulas. Não vinham preparadas em frascos como agora. Tudo é fácil agora.

- Pode se lembrar qual foi sua primeira fotografia publicada ?
- Creio que Margery Mann pode te dizer isso. Ela é quem tem os registros. Eu não presto atenção nenhuma a essas estatísticas.

- O que a levou a partir da oficina de Curtis para a Alemanha ?
- Bem, para iniciar tinham aquele esplêndido curso na Technische Hochschule de Dresde, e meu assessor na universidade sabia disso. Quando consegui meu título, me encaminhou primeiro a Leipzig, onde ele tinha muitos amigos. Alí tive algumas experiências muito interessantes. Não sei se deveria contar isso, mas fui posta nos braços de algumas mulheres. Uma delas era uma modista de muito sucesso na época; não gostava em fazer vestidos para mulheres espartilhadas e as mulheres espartilhadas eram a moda naquele momento. Mas, quando descobriu que eu nunca havia usado um espartilho com barbatanas de baleia, me transformou em sua modelo e me levou a um grande desfile de modas em Dresde. É claro que não recebi por isso qualquer remuneração, nem siquer para minha passagem, e me pôs um vestido depois de outro para seu desfile de modas. Em troca nunca recebi outra coisa que não um “obrigado”.



- Levava consigo suas próprias câmeras?
- Sempre levava minhas câmeras ! Nunca viajei sem elas e levava um baú. Tinha uma câmera grande de 12 x 18 e, desde o início usavamos chapas. Era horrível. Agora é fácil. Sim, agora posso viajar muito leviana.

- Conheceu gente interessante do mundo fotográfico enquanto esteve na Europa ?
- Conheci homens de ciência, e mais tarde visitei August Sander. Nunca tinha visto sua obra quando fui visitá-lo. Te digo: achei que deveria ter-lhe comprado algo quando estavamos ali, mas não vi nada que quizesse comprar. Te garanto que aquele homem não diferenciava o bom do mau. Era um fotógrafo retratista e nos apresentou seu trabalho; imaginamos que ele estava guardando o melhor, sem colocá-lo à venda. Talvez o tenha feito, não sei. Parecia encontrar-se em circustâncias de muito aperto. A guerra o expulsara de sua cidade e vivia sózinho no sótão de uma granja. Sua esposa tinha falecido e ele passava por uma angustiosa situação.

- É verdade que quando foi a Inglaterra, lá conheceu Alvin Langdon Coburn ?
- Sim, me lembro exatamente onde vivia. Quando fui a sua casa, quis me dar um livro. Quando saiu da casa para buscá-lo, sua mãe me disse: “Você sabe que nunca será tão boa quanto Alvin ! ” e eu lhe respondi: “ Pois é, nunca pensei nisso ! “. Tudo o que eu queria era ser um boa fotógrafa e nunca pensei em outra coisa. Mas ela mantinha um olhar vigilante, como se nota na fotografia dos dois juntos. Finalmente, quando ela faleceu, ele se casou.

- Conheceu mais alguém, nessa ocasião, enquando estava na Inglaterra ? Algum fotógrafo ?
- Não. Eu era muito ignorante, então. Suponho que, ao começar, todos o somos.

- Quando voltou, abriu um estúdio. Era um estudio para retratos. Por que tanto se importava com os retratos ?
- A questão era de se ganhar a vida. Ademais, nessa época as revistas não compravam material de fotógrafos. E se o faziam, não o pagavam. Mas lhes dei o que queriam, e não creio que tenha feito nada mas. De repente, fiquei muito popular. Viajava de trem e levava uma malinha de palha, pois não era tão pesada como uma de couro. Nela levava uma câmera de 12 x 18, doze chapas e um tripé desmontável. Eu ia a uma casa e fotografava aquilo que ali queriam – quase sempre as crianças, a mãe e o pai, todos na casa - , eu revelava, copiava, e me pagavam muito pouco !

- Nesssa época seus retratos tinham um estilo pictórico, com uma definição suave ?
- Em 1910 eu tinha uma lente Pinkerman Smith e a usava muito, mas não para retratos. Para estes eu tinha uma lente com grande definição.

- Isso não era raro naquela época?
- Não. Creio que todos os estúdios usavam lentes com gande definicão.

- Nessa época chegou a conhecer Stieglitz ?
- Vi Stieglitz quando voltei da Europa.

- Quando estava na Photo Secession Gallery ?
- Não. Deixe-me pensar. Não creio te-lo visto nessa ocasião. Eu estava muito intimidada.

- Porque tão intimidada ?
- Não creio que soubesse dele mais do que seu nome.

- É verdade que, quando regressou, você visitou Gertrude Käsebier ?
- Sim, foi assim. Ela estava fazendo cópias em platina e tinha um olho coberto por um emplastro, devido a um envenenamento por platina. Tinha tocado o olho ou o rosto em algum momento enquanto copiava. Eu sempre fui muito cuidadosa. Mas alguns são alérgicos a isso. Quando se toca um papel que tenha sido pulverizado, para esticá-lo com os dedos, alguns podem adoecer.

- Você lhe ensinou algum de seus processos de cópia ?
- Não, não tinha nada que ensiná-la. Foi uma visita atenciosa.

- Viu a revista de Stieglitz, Camera Work ?
- Eu a assinava. Saiba que outro dia me ofereceram cinquenta dólares por cada exemplar. Creio que é uma pena que seu custo tenha se elevado tanto. Não sei se isso vai durar, todos acreditam que sim, mas os comerciantes são realmente muito ambiciosos e surgem por todos os lados.

- Quais os pintores que viu em New York ?
- Marin e Dove.

- Esse tipo de trabalho lhe interessava ?
- Oh, sim !

- Visitou muitas galerias na Europa ?
- Desde que cheguei e vi uma grande exposição em Dresde. Você conhece o fotógrafo, aquele que fazia moda feminina. Não Cecil Beaton, o barão de Meyer. Foi uma grande influência para mim.

- Você se casou pouco depois, não é verdade ?
- Em 1915. Naquela época eu era uma medíocre fotógrafa de retratos.

- Deixou de lado sua dedicação total à fotografia para formar uma família. Isso representou para você alguma frustração?
- Não, em absoluto. Simplesmente não podia fazer tudo ao mesmo tempo. Não abandonei a fotografia. Tinha três filhos com menos de dois anos e não tinha um quarto escuro. Cada vez que fotografava tinha que fazer a revelação no centro da cidade, esse tipo de coisa.
Meu marido era desenhista de uma empresa que fazia cartazes; depois teve trabalho numa escola feminina de Piedmont e, finalmente um emprego como professor no Mills College. A partir de então, me transformei numa fotógrafa, mas tinha os meninos junto de mim. Tínhamos um grande pátio, com muito espaço para brincar e lhes dávamos liberdade total no jardim, mas eu não ia ao quarto escuro se eles ficassem sem vigilância. Eu os fotografava e ao mesmo tempo fazia minhas coisas com as flores. Meus gêmeos, Ron e Pad eram muito hábeis para procurar coisas que lhes interessavam e também a mim, como por exemplo, cobras, que traziam para casa nos bolsos. Pad era muito habilidoso para segurá-las pelo rabo, assim que as colocávamos sobre um tronco de lenha ele as mantinha ali segura pelo rabo através de algum furo na madeira.



- Como era trabalhar para Edward Curtis ?
- Bem, não se tratava de trabalhar para Edward Curtis. Era tão sómente trabalhar. Alguém me disse alguma vez: “ Deve ter conhecido muito bem Edward Curtis “. Eu lhe respondi: “Em dois anos, eu o vi sómente duas vezes.”

- Porque isso ?
- Ele nunca estava em casa. Era um fotógrafo que ia para todos os lugares. Mas o homem que cuidava do estúdio era uma pessoa maravilhosa. Nunca me esquecerei; se chamava Muhr. Simpatizei-me muito com ele, e ele fazia de tudo para mim. Nessa minha época, de 1907 a 1909, Curtis utilizava uma câmera grande de 6 ½ x 8 ½ polegadas (isso foi antes da 8” x 10”) e esse homem fazia uma transparência e depois um negativo perfeito para as cópias grandes. Era uma coisa sobrenatural. -
- Qual sua opinião sobre as fotografias de Curtis ?
- Me pareciam maravilhosas. Tinha todo um pessoal que trabalhava para ele e agora, quando estou certa de que todos estão mortos, posso dar minha opinião sobre eles. Tinha uma professora de escola, McBride, cujo trabalho era ficar sentada num escritório, onde recebia os serviços de retratos e onde também vendia as cópias. Quando não se esquecia de passar as ordens de serviço, muitas vezes colocava as cópias em algum lugar e se esquecia delas. Quando os interessados vinham buscá-las, ela revirava tudo e nós, no piso de cima, recebíamos uma reprimenda por não ter terminado as fotografias. Mas, por seu esquecimento, siquer haviamos recebido o pedido !
Um dia, eu saía às três horas da tarde e ela me disse: “Senhorita Cunningham, não é muito cedo para sair ? “ Eu lhe respondi: “Creio que não, para alguém que chega as sete “. Em Seattle não há muita luz de sol e uma cópia em platina se faz muito melhor com o sol que com a eletricidade, de modo que eu ia ao estúdio às sete quando havia sol.

- Curtis trabalhava exclusivamente sobre os índios?
- Não, essa era uma atividade paralela para ele. O estúdio se dedicava a retratos comerciais.

- Naquela ocasião, você acreditava que havia fundamentos para questionar sua exploração dos índios?
- Não, realmente não. Nenhum.

- Foi quando partiu de Satlle, que começou seu interesse pelos estudos de Botânica ?
- As plantas sempre me interessaram, mas nunca as havia estudado desde que vim à Califórnia, onde tudo crescia maravilhosamente e eu tinha uma vida doméstica na qual cabia algo assim. Não me importava cozinhar, não me importava escavar, nem me importava preparar e vigiar as crianças. Não posso entender as mulheres que são incapazes de fazê-lo, tudo ao mesmo tempo, sem se queixar. Uma parte de minha melhor produção foi feita nos anos vinte.

- Como era o Mills College ?
- Eu era só a esposa de um homem que estava em Mills. Não era uma professora. Não fazia nada no Mills. Ficava em casa e, siquer comparecia às reuniões sociais, mas ainda assim, tinha ali muitos amigos. Mais tarde fiz diversos trabalhos para o Mills College. Fiz as fotografias de seus folhetos.

- Enquanto viveu em Oakland, teve amizade com Edward Weston ?
- Meu marido também apreciava fotografia. Eu me interessava pela fotografia e pela obra de Weston. Quando nós fomos de San Francisco para essa colina próxima ao Mills College, choveu e choveu. Nesse dia, Weston e um amigo vieram nos visitar e quizeram nos ajudar a preparar o jantar. Aquela noite tínhamos pouca comida, creio que um pedaço de carne que eu dividi em nove partes e preparei um guisado. Anne Brigman, que era a amiga de Weston, também veio. Tinham que colaborar, assim lavaram os pratos depois do jantar, mas na manhã seguinte já não tínhamos água. Não sabíamos quão limitada era a provisão de água. A pessoa de quem havíamos comprado a casa não nos comunicou esse segredo, e éramos demasiado ignorantes para perguntar. O caso era que alí havia um poço e, dele se bombeava automaticamente para um depósito sobre o forro, mas o conteúdo era o resultado de vários dias de bombeamento. Portanto, nunca poderiamos encher o depósito e a filtragem teve que ser feita a mão no riacho ao pé da colina. É impossível imaginá-lo. As mulheres de hoje não aceitariam isso. Devo dizer que nada aproveitei isso ...

- Weston chegou a conhecer sua obra ?
- A carta clássica está no Museu da Eastman House. Em 1928, Weston voltou do México para Los Angeles, viu uma exposição do Country Museum de Los Angeles e me escreveu uma carta. Dizia que tudo o que havia na exposição era um espanto, até que chegou a uma de minhas fotos. Me disse: “Se conservar esse nivel, se transformará numa grande fotógrafa “. Muito alentador, não lhe parece ? A essa altura eu já tinha trabalhado vinte anos mais do que ele, mas ele nunca vira minhas fotos. Quando ele me conheceu, eu era só uma “ dona de casa ”. Aquilo que eu fazia, ainda não tinha sido revelado para o mundo.


- É verdade que, você e seu marido ajudaram Weston a sustentar-se, comprando suas cópias ?
- Sim, assim foi.

- Ele colecionou algumas de suas obras ?
- Edward nunca pode se permitir comprar nada de ninguém. Nunca soube que o tivesse feito.

- Qual, acredita tenha sido, a razão de uma existência de um grupo tão tênue como o f / 64 ?
- Creio que foi motivado por Willard Van Dyke. Verá que não era uma mostra tão maravilhosa. Henry Swift era integrante do grupo e, alí o único que tinha dinheiro. Tinha muito dinheiro e comprava. Quando faleceu, sua esposa doou a obra do grupo ao San Francisco Museum que, de vez em quando, a expõe. Faz muito tempo que a vi, mas não é um grande alento para mim.

- A propósito do f / 64, havia no ar algo que a impulsionava a buscar a maior precisão, levando-a a mostrar o maior detalhe possível ?
- Me parece que todos, independentemente do que pensem, são afetados pelo que ocorre a seu redor. Eu não posso recriar meus sentimentos sobre como fiz isto ou aquilo, porque boa parte de minha obra foi feita sem outra motivação que a de transmití-la bem e divertir-me um pouco. E assim foi, como fiz essa foto de definição suave, com duas pessoas que eram minhas amigas. Fomos a uma casa de campo, onde uma mulher que nos tinha simpatía nos deu de comer e nos cuidou enquanto fotografávamos e nos divertíamos. Isso foi em 1910. Eu era sómente uma aficionada, e a foto não se tornou popular. Agora, dizem que é boa. Avedon faz essas coisas para a Vogue e eu que mando refazer as lentes de minha velha Pinkerman Smith ...

- Ao que parece, você desenvolveu a fotografia abstrata na Costa Oeste, quase antes de Weston.
- Não sei quando eu fiz algo. Fiz as coisas por instinto. Me lembro de ter fotografao, no Mills College, coisas que nunca o havia preocupado antes, como a escada do velho Edificio de las Artes. Bem, essa já é um clássico. O edifício foi derrubado e naquele ano presenteei ao Mills todas as cópias extras que eu tinha. Mas, creio que haverei de guardar as outras, porque serão de utilidade para outra gente.



- Quais as tarefas comerciais desempenhou durante a Depressão ?
- Trabalhei para a Vanity Fair. É a única revista para a qual já trabalhei. Era editada pela mesma empresa que editava a Vogue. Isto foi durante 1931. Me perguntaram quais os temas que eu queria. Respondi: “ Homens feios “. Me passaram para Cary Grant e a um grupo de homens aos quais me agradaria olhar agora. Me agradaria saber como terão envelhecido. Tinha um outro que era rúivo e que se parecia muito com um de meus filhos. Tratei-o como si fôsse. Era James Cagney. Me disse, quando eu saía: “ Sabe que você é o único fotógrafo que não queimou os fusíveis em minha casa”. Eu lhe respondi: “Já sei por quê, eu uso luz natural ! “

- Você trabalhou com a Farm Security Administration?
- Não, eu perdi pois me recusei a fazê-lo. Fiz uma viagem com Willard Van Dyke. Fomos ver umas pessoas sem trabalho de Brookland, que conseguiram fazer funcionar um velho moinho. Dorothea Lange e eu interferimos nisso e o professor Taylor nos pediu para fotografar os trabalhadores do vale. Mas eu não pude participar porque tinha três meninos na escola e eles necessitavam de mim um pouco mais em casa, assim não fui. Não conseguiria fazê-lo com o mesmo entusiasmo de Dorothea. Ela mostrava um verdadeiro apetite. Gostava das fotos rápidas e não se incompdava com o trablho pesado; ficava encantada fazendo esse trabalho. Na realidade, tudo foi obra dela.

- Como você e Dorothea conviviam ? Eram rivais na fotografia ?
- Nunca. Fomos muito boas amigas. Quando ela estava casada com Maynard Dixon, íamos a um lugar durante o verão e ela convidava meus gêmeos para ficarem com ela . Ela também tinha filhos, mas eram mais novos que os meus e os adorava.

- Que trabalho documental já fez ?
- Minha empresa me pediu que lhe fizesse uma mostra com coisas locais. Me disseram: “Não tens que chamá-la documental; apenas ponha o título Caminhando por San Francisco”. Uma ocasião eu disse a Margery Mann: “ Bem, me agradaria fazer isso ”, e ela me aconselhou: “ Esqueça. Você não é uma documentarista ”. Mas, o que quis dizer era que eu não me atenho a um só tema. Não tomo, por exemplo, certas misérias do mundo, como crianças que tenham ficado orfãos, e coisas assim. Você já sabe que o documental só é interessante de vez em quando. Quando examina um livro de Dorothea, onde mostram filas e filas de pessoas que se agacham para desenterrar cenouras... isso pode ficar muito entediante. Assim, só ocorre de vez em quando, existir alguma coisa que valha a pena fotografar. Agora tenho uma fotografia documental que creio ser boa. Ela foi feita debaixo da ponte de Queensbororoug, em New York; é de um homem que está dormindo sobre alguns jornais. Lembro que, nunca tive uma câmera de 35 mm. e nunca viajei como Cartier-Bresson. Em sua obra recente não há nada que se iguale a anterior. Nunca fará de novo aquele homem que salta sobre uma poça d’água. Aquela era a verdadeira.

- Não existe um conflito entre o que você chama de fotografar instintivamente e o que poderia denominar-se de seu trabalho comerecial ?
- Bem, não digo que trabalhe instintivamente, quando alguém me pede que faça um retrato. Na realidade estou começando a odiá-lo. Já te fiz saber. Não vou fotografar mais nada por dinheiro, ou odeie seu rosto. Acabou-se. Não me vão obrigar a fazê-lo por dinheiro. Devo estar numa posição na qual posso escolher. No início eu não tinha escolha e fiz o que de melhor podia fazer, mas tive muitas frustrações com pessoas que estão desgostosas de seus rostos.

- Acredita ser necessário um senso de humor para permanecer profissional, ou esteticamente vivo nesse trabalho ?
- Creio que o senso de humor não prejudica em nada. Acredito que alguns podem se divertir com certas pessoas que se sentam e dizem: “Estás fotografando o lado feio de meu rosto”. Se alguém me diz isso agora, lhe direi que a sessão já terminou.

- O que é que te fascina na fotografia de retratos ?
- Dinheiro ! Dinheiro ! Dinheiro ! Por isso os fiz. Agora que já os fiz, é simplesmente um meio de vida. Soa como cobiça, mas nunca cobrei tanto como pude fazê-lo.

- Aderiu a algumas causas, como o sufrágio feminino ?
- Te direi que minha introdução ao sufrágio feminino se deu em Hyde Parl Corner, em 1910. Não podia acreditar, de verdade ! As mulheres, então, usavam uma linguagem correta, e fizeram o que fizeram. Se acorrentavam nas grades do palácio de Buckingham, mas continuavam sendo damas. Não diria que o movimento atual tenha algo de similar.

- Não tens simpatia pela libertação das mulheres ?
- Não. Não o condeno, pois estão fazendo algo de bom. Servirá para a causa das mulheres. Mas não me agrada a linguagem obscena, não me agradam os maus modos e não me agrada afirmar-me e ser uma das mulheres volúveis, inconseqüente. Aceito as coisas tal como são. Sou uma trabalhadora; não sou uma mulher maior que um homem. De fato, muitos acreditam que Imogem é um nome masculino, mas você já sabe que não é: a melhor das mulheres de Shakespeare, assim me dizia meu pai. Uma princesa, filha de Cimbelino.

- Quando começou a ensinar ?
- Nunca comecei a ensinar. Me empurraram. Nunca tive um verdadeiro cargo de professora. Faço um pouco aqui, um pouco ali. Passo um semestre em algum lado, um mês no outro lado, uma oficina em outro lugar ...

- E quando foi que isso começou ?
- Eu te direi, fizemos uma escola noturna, alguém e eu, em um lugar no centro de San Francisco. Já sabe que não sirvo para determinar em que tempo; já passei muito tempo vivendo, para saber quando as coisas aconteceram.

- Quais outros trabalhos fotográficos fez durante a Depressão ?
- Eu era a esposa de um professor, assim nunca soube que houve uma Depressão. Eramos tão pobres, e estávamos tão acostumados a sê-lo, que não sabíamos que os outros eram pobres. E já sabe que as coisas são assim. Uma pessoa que tem um emprego regular, por mais baixa que seja sua remuneração, vive apesar em tudo. Na verdade, não me esforcei para ganhar muito dinheiro e cobrei pelo que fazia, mas era tão pouco que, vendo agora, parece incrível.

- A Segunda Guerra Mundial teve alguma conseqüência na sua obra ?
- Teve, imediatamente. Nessa ocasião, eu trabalhava num estúdio na rua Montgomery, vivia em Oakland e fotografava muitas pessoas da Marinha e do Exército.



- Como chegou a viver nesta em bela casa de San Francisco ?
- Alguém a encontrou por um anúncio. Meu filho maior era arquiteto e me deu de presente. Levou cerca de um ano para entrar nela. E no início, tinha um montão de coisas que não fizemos pois não conseguimos obter os materiais. A parte dianteira foi desenhada por um paisagista e foi paga com fotografias. Essa foi uma ocasião em que fizemos um bom negócio.

- Depois da guerra, você começou, por iniciativa própria, a fotografar uma quantidade de artistas, escritores e pintores daquela região?
- Sim. De fato, raramente sou eu quem procuro alguém; são eles que me procuram. Quando fiz a foto de Gertude Stein, procurei um homem que estava escrevendo sobre ela. Eu a fotografei quando residia num hotel local e me pareceu que seria uma idéia estupenda compor o fundo com uma perspectiva da cidade. Levei-a para o terraço. Estava utilizando uma câmera 8” x 10” e já tinha feito uma ou duas fotos quando a senhorita Toklas saiu e me disse: “ Senhorita Cunningham, faltam três minutos “, eu lhe respondi: “Senhorita Toklas, a sessão já terminou ! “ Peguei minha câmera e sai. Era muito difícil tratar com a senhorita Toklas.





- Como conseguiu fotografar Stieglitz ?
- Foi muito simples. Fui para New York com uma quantidade de porta chapas de 8” x 10” , mas sem nenhuma câmera. Fui vê-lo muitas vezes antes de lhe pedir. Não lhe perguntei se recordava de mim em 1910, como fazem os estudantes comigo. Quando fiquei cansada, sentei-me no chão, porque não havia cadeiras. Ele entrou e eu percebi que tinha feito algo que outros não faziam e isso fez com que simpatizasse comigo, mostrando-se muito animado. Me permitiu utilizar sua câmera. Devo dizer que estava tão deteriorada, quanto está, agora, meu relógio do quarto escuro. Apenas se podia ler as indicações de aberturas e tinha um disparador de bombar que eu nunca tinha usado em toda minha vida. Isto foi em 1934 e eu não tinha fotômetro. Nessa época não havia fotômetros. Fiz sete fotos, todas diferentes. A que mais gostei não foi aquela que Ansel escolheu para utilizar no folheto que publicou na Feira. A que mais me agrada é a que está no meu livro.



- O’ Keeffe chegou a ver o trabalho ?
- Ela tinha todo ele e o entregou ao museo de Yale. O mesmo ocorreu com o material de Stein. Eu enviei tudo. As cartas que me foram escritas pela senhorita Toklas são muito simpáticas, porém é necessário ter uma lupa para entender sua letra escrita em papel absorvente. São cartas simpáticas e doces. Eu as li recentemente para alguns amigos. Parece que tinha muitos bons amigos a quem escrevia com devocão. Teve um vida boa, mas uma morte lenta e demorada.

- Ganhou algo pela sessão com Stieglitz ? Ele se interessou pelo trabalho que você estava fazendo na ocasião ?
- Não, absolutamente.

- Ele viu ?
- Sim, viu. Escolheu algo que não me interessava. Eram duas folhas de lírio d’água. Depois Steichen escolheu alguma outra coisa minha que interessou a Stieglitz.

- Você esteve na grande exposição de História da Fotografia, que Newhall organizou no Museu de Arte Moderna, em 1937 ?
- Bem, não poderia deixar de estar nela já que, na época, o Museu tinha parte do meu material.

- Em sua opinião, qual terá sido sua principal preocupação como fotógrafa ?
- Ter uma boa vida e deixar que os outros também a tenham. Eu não interfiro em nada. Não tenho anseios por nada. Só acredito no trabalho. Não sou um desses exegetas românticos do próprio ponto de vista.



- Parece que teve uma fotografia que provocou uma preocupação filosófica, senão uma controvérsia: o famoso retrato de Morris Graves.
- Creio que você deve ser uma pessoa especial para vê-lo assim. Eu não o entendo. Existe sempre uma pessoa especial, a quem gosta Morris. Bem, agora, as fotos fotos que se vendem mais que a de Morris são a de meu pai sobre o depósito de lenha e a de meu pai com minha mãe e a vaca. Estas estiveram submersas desce 1923 até 1970. Eu as juntei com algumas fotos de crianças que fiz granja, e agora são muito populares. Em seguida, minha Magnólia também é muito popular !



- Você captou as qualidades essenciais de alguns dos grandes artistas americanos dessa época: Roethke, Graves, Stieglitz ...
- Roethke era um homem muito dificil, embora carregado de energia. Era uma pessoa muito especial. Veja, eu o fotografei em seu hotel e, quando o levei a um beco do andar térreo onde havia uma parede, só enquadrei sua cabeça. Eu disse à senhora Roethke: “ Tem uma fenda que parece sair de sua cabeça “, e ela me respondeu: “ Muito apropriado “. Saiba que ele atravessa tremendas depressões e teve que internar-se em um hospital. Teve a vida mais triste da qual já tive conhecimento. Sua esposa era maravilhosa, realmente maravilhosa.

- Quais são as coisas, ou melhor as qualidades essenciais, que você procura em uma pessoa ao fotografá-la ?
- Veja, eu não faço isso. As pessoas costumam me fazer perguntas curiosas como essa. Eu não controlo aquilo que desejo delas, se eu desejo fazer, quando vejo fotografo. E se eu não vejo, não fotografo. O fascinante nos retratos é que nenhum é igual a outro.
Uma vez, Ansel disse para alguém que eu era versátil, mas o que quis dizer foi que salto de uma coisa para outra. Não me agrada ficar muito tempo no mesmo lugar. Não posso ficar com as montanhas, não posso ficar com as árvores e não posso ficar com os rios. Entretanto, posso ficar com as pessoas, porque são realmente diferentes.

- Em sua longa vida, você notou que a fotografia chega a público cada vez maiores. Acredita que isso é bom, e se é assim, como gostaria que isso evoluisse ?
- Bem, eu não tenho regras para o mundo, mas creio que a popularidade da fotografia é muito repentina. Existe um exagero na sua importância. Hoje exitem muitas pessoas que a estudam e que, nunca a utilizaram. Não podemos lhes dar uma formula para fazê-lo. É necessário tê-la em você mesmo, porque não é possível aprende-la. O “olho que vê” é o importante.
Eu gostaria que a fotografia de retratos retrocedesse a Julia Margareth Cameron. Não creio que haja nada de melhor. Você não concorda ? Ainda que, agora tenhamos a técnica para superar as coisas que ela não podia fazer. Mas, desde o início, ela viu as pessoas !

- Acredita que ela tenha exercido alguma influência sobre você ?
- Não. Conheci sua obra muito tarde. Nessa época eu já estava em ascensão. Mas gosto muito de seu trabalho. Quando me perguntam me perguntam quem é meu fotógrafo favorito, respondo: “ Não me façam uma pergunta como esta. Alguém saltará em cima de mim. Não posso falar de meus colegas “.

- Atualmente, existe alguém cuja obra seja especialmente significativa para você ?
- Bem, não sei se o diria, se o soubesse. Tenho uma quantidade de admirações fotográficas. Eu gosto de gente diferente. Sem qualquer dúvida, eu posso dizer quais não me agradam. Tenho algumas aversões bem marcadas, contra gente que se tornou popular fazendo um material frívolo, como Avedon. Ele é minha aversão atual e me agrada que o desgoste, porque acredito que nunca irei encontrá-lo. Outra aversão minha é Les Krims – agora é muito popular – , aquele que fotografou a mãe despida. Creio que, inclusive, borrifou sua mulher com algum tipo de spray.

- Qual é a sua opinião sobre outras tendências contemporâneas ?
- Oh ! Existem tantas ! Creio que a vulgariedade do nú, a forma com a qual é manipulado, me desgosta. Esta é uma época de vulgaridade e de erotismo, atirados de qualquer lado. Essa não é minha idéia de estética.

- Qual é a sua opinião sobre a educação fotográfica ?
- Há uma quantidade impressionante de mestres. Outro dia, perguntei para alguém: “O que aprendeu com seu professor ? “, e ele respondeu: “Bem, ele me ajudou muito a ver “. Não diria que isso não ajude, mas me parece que deveria haver algo mais. Creio que um pouco de auto-educação. Os alunos que vão à escola esperando que lhes metam tudo na cabeça, isso é abominável e não se consegue. É necessário fazer um pouco de trabalho próprio. No verão passado, em Yosemite, emprestei a um rapaz minha câmera 9”x 12”, pela qual tenho um grande afeto. Me disse: “ E agora, o que faço com isso? “, eu respondi: “Desenrrosque-a, e descubra você mesmo. Gire todos os controles, e descubra”. Por que não haveria de aprender como fechar uma câmera ? Por que deveria ensiná-lo ? Não devemos tratar os alunos como se fossem tontos; temos que ensinar-lhes algo e, depois, deixá-los. Não creio que tenhamos bastante auto-educação. O pessoal quer fazer uma exposição, logo ao sair do colégio. Por que querem ser expostos ao público imediatamente ? Não compreeendem que alguma coisa deve ser descartada. Eu disse aos rapazes em Yosemite que, tudo o que foi feito em classe deveria ir para o cesto de lixo. No entanto, eles não viam assim.

- Acredita que deveriam ser educados como você o foi, como aprendizes por algum tempo ?
- Atualmente, já não há possibilidade de fazê-lo. Os moços não querem aceitar uma aprendizagem. Mas, desde que iníciou, este rapaz que trabalha para mim, marcando e preparando, está aprendendo alguma coisa. Não vacilo em falar-lhe de tudo.

- Você se interessa por alguma coisa, fora a fotografia ? Você tem fama de ser uma boa cozinheira. É verdade ?
- Já não sou tão boa cozinheira como fui. Aos 93 anos a comida já não me interessa. Entretanto, vou editar um livro de cozinha, embora não sozinha. Alguém utilizará meu nome e minhas receitas e será algo de qualidade. Se chamará Beg, Borrowed and Stolen (Pedido, tomado por empréstimo e roubado). Eu estou acostumada a coser, costurar e tudo isso, mas, atualmente, minha vocação favorita é fazer marmeladas.

- Quais são seus planos futuros para sua obra fotográfica ?
- Agora, tenho começado um tema, mas não sei se poderei fazê-lo. Se o faço poderá dizer que é temático e, antes, nunca me dediquei a um tema. O tema será sobre pessoas velhas.
Meu filho acredita que devo desistir disso tudo, conseguir uma câmara de 35 mm, caminhar pela cidade e divertir-me; mandar revelar os filmes com outros e abster-me de toda a tarefa do quarto escuro. Estou perfeitamente disposta a deixar o quarto escuro, que é muito cansativo. Não creio que possa utilizar uma câmara de 35; ficarei com a de 6. Para mim, é como uma câmara a nível dos olho.

- Recebeu o prêmio Guggenheim com surpresa ?
- Bem, muito poucas pessoas o receberam com a idade que eu tinha. Creio que foi aos meus 87 anos. Isso já é ser velha !

- Para o que foi a doação ?
- Para copiar uma parte do material que eu não havia copiado antes. Eu acreditava que havia feito um trabalho completo mas, quando o transferi para o arquivista que agora está tabalhando comigo, ele desenterrou um material do qual eu não me lembrava. Estou fazendo muitas cópias disso, depois farei uma exposição.

- Parece que, aos críticos mais conformistas, levou muito tempo para aceitar finalmente a força de sua obra. Isto a preocupa ?
- Isso é o que me dizem agora, mas nunca pensaram nisso antes.

- Isto a diverte, ou irrita ?
- Não, não me preocupa. Nada me preocupa. O que me importa ?

- Continua trabalhando pelo prazer de fazê-lo ?
- Veja, não comecei como começam hoje muitos jovens, dizendo que querem ser os maiores fotógrafos do mundo, etc. etc. Compreendo que existam grandes fotógrafos que têm essa sensação de sua própria importância, mas não vejo nenhuma razão para isso. Acredito que são somente pessoas e, quando me chamam de mulher famosa, respondo: “Não sabeis o que é a fama “. Não chega até que se morre, assim, para isso, ainda tenho um tempinho !

- Porque considera tão importante manter regularizados os seus arquivos e criar um fundo ?
- É uma idéia absolutamente comercial. Sou uma mulher de negócios. Há muitas pessoas que desejam o meu material, e devo permitir que o tenham. Agora, se o querem e a coisa fracassar, não estarei aqui para lamentar isso.

- Quando olha para a frente, para o trabalho que terá que fazer, se vê continuando com os retratos ?
- Bem, não entendo como alguém com 93 anos possa olhar para a frente, pelo menos por um longo período. Farei o que puder, quando puder. Não sairei a procurar muito, em nenhum aspecto. Minha família se obstina em que eu ocupe algum tempo livre e me divirta, mas não sei como. Estou tão motivada com tamanha firmeza, que é dificil desfrutar do que poderia ser chamado de descanso total .... Creio que só farei marmeladas !
Tradução: Bento P. Bueno
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Livros:

After Ninety. Introdução de Margaretta Mitchell . University of Washington Press, Sattle, 1977.

Homage to Imogen. Número especial da revista Camera, Lucerna (Suiça), outubro de 1975.

Imogen Cunningham. “Aperture History of Photography Series”, no 11, Millerton, New York, 1964.

Imogen Cunningham. Photographs: 1921-1967. Prefácio de Beaumont Newhall. Stanford University Press, California, 1967.

Imogen Cunningham: Photographs. Introdução por Margery Mann. University os Washinton Press, Seattle, 1970.

Imogen! Imogen Cunningham. Photographs: 1910-1973. Introdução por Margery Mann. University of Washington Press, Seattle, 1974.